Por Boni Neto
A COLONIZAÇÃO DO RIO GRANDE DO NORTE E O PAPEL BÉLICO DO POTENGI
Quando Pedro Álvares Cabral
desembarcou no Brasil ao fim do século XV, mal desconfiava que nosso grandioso
país, que ele esperava conquistar em nome da Coroa de Portugal, já era habitado
por diversas tribos de povos seminus; alguns hostis, outros não.
Dentre estas
tribos, encontravam-se os Tupis. Os Tupis levaram mais algum tempo para serem
descobertos, uma vez que viviam pelos litorais do que hoje é a Paraíba e, é
claro, do Rio Grande do Norte. Lá, enquanto não sobreviviam, travavam lutas entre
si (uma vez que, na verdade, os Tupis eram um grande grupo subdividido em
diversas outras tribos rivais), e se uniam aos colonizadores visando ganhar a
própria guerra indígena, eles batizavam florestas, animais, rios e outros
pedaços da natureza que compunha o litoral nordestino do Brasil.
Um desses elementos batizados foi
o Rio Potengi (ou Potenji, dependendo da grafia que se preferir utilizar), cujo
nome em tupi significa algo como “águas de camarões” ou “rio de camarões”, em
virtude da junção dos verbetes indígenas potim
(camarões) e y (água). O Potengi
acabou servindo de passagem para os colonizadores, que algum tempo depois
construíram o Forte dos Reis Magos, devido à posição estratégica daquela região,
que permitia defesa contra ataques marítimos. O resultado disso tudo foi a
fundação da cidade de Natal, em 25 de dezembro de 1599, quase um século após a
chegada de Cabral.
Foto: Canindé Soares |
Com o Rio Potengi como aliado, os
portugueses fincaram de vez a lusa bandeira no Brasil. Observar o horizonte,
entretanto, não foi a única vantagem bélica para qual serviu aquelas águas.
Séculos se passaram e, com isso, surgiram mudanças na geografia e na cultura do
Rio Grande do Norte, mas a região eventualmente se provou mais uma vez útil ao
se tratar de conflitos de guerra.
Durante a Segunda Guerra Mundial,
Natal foi um grande ponto de repouso para os combatentes americanos (uma vez
que Getúlio Vargas havia decidido que o Brasil ficaria do lado dos Aliados –
formados por França, Inglaterra, Estados Unidos, Rússia, entre outros países).
Isso se deu graças ao tão mencionado Rio Potengi, que possuía largura
satisfatória o bastante para permitir o pouso de hidroaviões que traziam as
tropas aliadas. De quebra, a chegada dos ianques representou avanços para a
cidade de Natal através de trocas de produtos, como goma de mascar e
refrigerantes, de culturas e costumes, como a visão democrática americana. Algo
que perdura até hoje.
O ESTUÁRIO DO RIO POTENGI E A DEGRADAÇÃO
O Rio Potengi, em extensão total,
possui 176 quilômetros, nascendo no município de Cerro Corá e desembocando na
capital do Rio Grande do Norte. Quando termina, o rio encontra o Oceano
Atlântico. A este contato, ou transição aquática, dá-se o nome de “estuário”. Por
causa disto, ficou conhecido aquele determinado ponto do litoral potiguar como
Estuário do Rio Potengi.
A população que por lá mora,
conhecida como “ribeirinhos”, justamente pela proximidade ao rio, questiona a
qualidade atual da região. Águas mais rasas e salgadas, e menos habitadas pela
fauna e flora são as novas características do rio, que pouco a pouco vai vendo a
pureza ser substituída pelos mais diversos tipos de detritos produzidos pela
influência do homem e de suas tecnologias; naquelas águas é possível encontrar
toda sorte de itens que vão desde pneus furados, a dejetos de pessoas e
carcaças de animais.
Os responsáveis por trais transformações no ecossistema
daquele ambiente variam entre representantes de indústrias, comércio e da
própria população. Fazem parte das degradações a presença de viveiros ilegais
de carnicicultura, causando a destruição dos manguezais; destruição das matas
ciliares sem que haja ação de reflorestamento; falta de saneamento básico e
outros.
Essas e outras razões tornam
comuns relatos de cidadãos – não apenas ribeirinhos – que contam que, em épocas
literalmente cristalinas era possível enxergar os próprios pés sob as águas do
rio. Hoje em dia, infelizmente, a possibilidade não existe em virtude dos pesados
danos sofridos pelo Rio Potengi, que teve as águas escurecidas e impróprias
para banho.
O PLANO DIRETOR E A ZONA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
Visando a manutenção, proteção e
recuperação dos aspectos ecológicos, ambientais e paisagísticos de determinados
espaços geográficos do Rio Grande do Norte, o novo Plano Diretor de Natal (Lei
municipal nº 82, de 21 de junho de 2007), integrou alguns pontos específicos de
nossa cidade aos artigos, definindo-os como Zonas de Proteção Ambiental. De
acordo com o Plano, que funciona como um instrumento de desenvolvimento urbano
sustentável, no Art. 18 do Título II, Capítulo I, há um total de dez Zonas
enumeradas espalhadas por todo o município. O Estuário do Potengi, Zona de
Proteção Ambiental nº 8, é uma delas.
O Plano Diretor, porém, possui
uma falha: nem todas as ZPAs são regulamentadas. Isto é, nem todas possuem critérios
de uso estabelecidos, apesar de serem geograficamente reconhecidas. Assim como
o Morro do Careca e a Fortaleza dos Reis Magos, a Zona do Estuário do Rio
Potengi pertence ao grupo de ZPAs não regulamentadas. Para se ter uma ideia da
importância que representa o ato, basta ler o seguinte trecho de uma notícia
publicada no site da Prefeitura Municipal do Natal a respeito de uma audiência
pública que consideraria a regulamentação da ZPA 9 do Rio Doce, a 26 de março
de 2012:
“De acordo com a proposta a ser
apresentada entre os objetivos da regulamentação estão: definir o Zoneamento
Ambiental, considerando os atributos bióticos, abióticos e sociais, bem como a
fragilidade dos recursos ambientais da área e o potencial de usos sustentáveis;
estabelecer parâmetros para o uso e ocupação do solo para a ZPA-9; identificar
áreas propícias para criação de Unidades de Conservação Ambiental ; fomentar
usos e atividades relacionados aos objetivos da ZPA-9; e definir as ações
prioritárias para implementação dos objetivos de proteção, e as atividades de
monitoramento da qualidade ambiental da área.”
Obviamente, trata-se de uma zona
distinta, mas é possível imaginar o que seria do Rio Potengi, uma das ZPAs mais
castigadas pela ação humana, caso recebesse o benefício de propostas
semelhantes. O avanço, entretanto, pode estar mais perto do que longe; veículos
já reportaram que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – SEMURB
tem a intenção de finalizar um novo Plano Diretor em 2016, tendo a
regulamentação das ZPAs restantes como uma meta, algo que poderia representar
um grande passo rumo à salvação do Estuário do Rio Potengi.